sexta-feira, janeiro 19, 2007

Chovia. Ela andava à esmo, chorando. Nem mais sabia o por quê chorava, havia apenas a certeza da dor que a mantinha infeliz. Sentou-se numa praça, as lágrimas escorriam, seus soluços ecoavam pela noite escura. A rua deserta era seu esconderijo.
Na solidão íntima dos pessimistas ela pensou que o mundo era inútil e cruel, se viu sem valor algum quando percebeu que não podia confiar nem naqueles que amava. Perguntou-se se seria eternamente assim, caindo sempre sem perdão.
Ela chorou pelos erros passados, pelos erros futuros, pelos enganos e desavenças, pelo orgulho, pelo egoísmo. Sonhou em ser diferente, planejou ser feliz e deu risada de sua suposta ingenuidade . No fundo sabia que a felicidade não existe, que é uma mentira contada tantas vezes que se tornou verdade, mas nunca deixaria de ser uma mentira para quem soubesse reconhecê-la, e ela soube.
Chorou pelo enorme buraco que se formou em seu peito, pela sensação de desleixo, puro desprezo, pelo vazio que não é vazio por não ter a possibilidade de ser cheio. E achou isso engraçado, quer dizer, só pode se esvaziar algo que um dia se encheu e isso não acontecera com ela, mas era vazio pela falta de um dia se sentir completa e seu vazio pesava e isso não fazia sentido, já que o nada também é a ausência de peso.
Na confusão reinante, riu e chorou no mesmo instante. A dor foi aumentando, ela perdeu o ar, vomitou o que não havia no estômago. Imaginou se não estaria vomitando a alma ou a doença da alma ou a falta da alma.
Ela levantou a cabeça e olhou em volta. A praça ficava num lugar alto, em cima de uma avenida. Era conhecida por alguns como "a pracinha do estuprador". Ela não ligou para esse fato, para se ele aparecesse. Ela viu os carros passando lá em baixo, seus olhos embaçados viam apenas um borrão.
Ela pediu para que o mundo a sugasse para o centro da terra, que a tragasse. Percebeu que isso não mudaria a vida de ninguém. Caso sumisse, não faria diferença, não era tão importante assim para que sentissem sua falta. E isso a deixou ainda mais triste, viu que até nisso havia falhado.
Levantou-se, andou novamente sem rumo, a chuva caia ainda mais forte, sentia um frio que não seria aplacado com um simples banho quente e cobertas. Entrou num bar, pediu qualquer coisa forte, tomou de um gole, a bebida desceu quente e violenta, pagou, saiu, andou. Pensou se conseguiria andar até o fim do mundo, até uma outra dimensão, até a próxima galáxia. Alguém um dia disse que talvez o mundo fosse a prisão de alguma outra existência, outra humanidade, outra inteligência. Ela concordou e tentou se lembrar quem disse isso, não conseguiu. Pensou na luas de Titã e sorriu. Se a vissem sorrir diriam que era um sorriso doce, de quem está resignado com o próprio destino.
E ela andou e chorou enquanto chovia e caiu em poças d’água e gritou com toda a voz com que era capaz e amaldiçoou quem a fazia sofrer, o que a fazia sofrer e lembrou-se que era ela quem a fazia sofrer e, então, se amaldiçoou ainda mais.
E num tempo ela enlouqueceu e se revelou, ela se perdeu quando se encontrou, viu o mundo sem máscaras, numa frieza que beirava a sensibilidade, ela viu seus pedaços pelo chão e decidiu deixá-los por lá, atrapalhando o caminho de quem andasse de manhã por aquela rua e sentiu o quanto era insignificante a sua dor.
Ela se levantou, se acalmou, olhou o relógio. Era muito tarde, tinha que ir embora. Não se acalmou de verdade, mas o que era a verdade para ela? Isso, essa mentira disfarçada, talvez fosse a verdade dela. Resolveu limpar o rosto e seguir no caminho para casa, era o que tinha que fazer, porque, mais tarde, quem sabe, ela teria tempo para sofrer.

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