terça-feira, março 06, 2007

. .Num ônibus lotado ela viajaria até Júpiter. Cataria as latinhas espalhadas pelo chão e empilharia envolta do abajur. Um anjo proscrito, prostrado bateria nas suas costas e choraria. Não à falta de sorte, nem à morte, mas sim à falta de morte e à eficácia da sorte. No lago de mercúrio jogaria seu relógio de bolso e ele não mais contaria as horas dos dias, mas falaria do cheiro das flores. Na grande bolsa pendurada levaria suprimentos essenciais como panos de prato e um copo quebrado. Da jarra de leite beberia o sangue vermelho, azul, amarelo outrora vertido invertido. Os sons seriam apenas sussurros do mundo, desses falados ao pé d’ouvido enquanto lhe fazemos cócegas. Dos dedos de unhas pintadas de pintas sairiam doces cores invisíveis. Nas árvores que nunca existiram faria seu ninho e poderia dizer que expulsaria os passarinhos, porém seria pura mentira. O silêncio da solidão solúvel seria denso, ao que ela cortaria e comeria em pedaços. Imaginaria monstros terríveis que não se tornariam realidade. Contaria histórias inverídicas ao vento e ele responderia com sonetos de fidelidade. Dos poemas aproveitaria o e. Da prosa, a desenvoltura. Do drama, em geral, tiraria a meada. Do tempo tiraria a ordem e para a ordem, daria tempo. O caos seria um belo cachorrinho lambendo suas mãos. A maçã perdida, uma mordida. Do delírio absorveria a graça, num delírio desejoso da doçura do invisível calor que os loucos, poetas, pintores, fiéis amantes do cheiro da dor. E o anjo perfeitamente ébrio, prostrado ao chão não mais choraria, sorrindo imploraria a loucura possível das manhãs marcantes, cinzentas, lentas, de algumas segundas-feiras.


Por Shaula . . .

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